A direção do solo Después
foi assim, um salto no vazio. Nunca dirigi dança, conheço nada de dramaturgia em dança. Nunca acompanhei uma dançarina criar
seus movimentos. Não me restou outra coisa a fazer a não ser sentar e prestar
atenção a tudo que ela me mostrava, não para entender ou para dirigir, mas para
criar condições de estar presente de tal forma que seus movimentos me
movessem, provocar algo por ter sido provocado. Atuar como diretor depois de ter sido movido pelos movimentos que eu precisava
dirigir. Entendi, após a estreia do solo, que só assim pude assumir que fazia
uma direção em dança, não pela qualidade ou acertividade de minhas indicações,
mas pela potência que houve entre os elos que nos ligavam, dançarina e
diretor, ao processo criativo. Houveram
ensaios em que fui dirigido ao ver uma nova cena. O que vi me afetou de maneira
que soube como conduzir, como dar continuidade. E assim fomos desenrolando o
trabalho. Abertos ao não saber. Se era teatro ou dança. Se era mais isso que
aquilo. Se aquele ou aquele outro. Quanto mais distantes destas preocupações,
mais espaço para experimentar. Às vezes acho que também dancei para poder
dirigir, pois algumas sensações e idéias foram transmitidas pelo movimento, não
pela palavra. Fui forçado a pensar. Isto me lembra um texto retirado de uma
entrevista com a pesquisadora Suely Rolnik:
O que
nos força (a pensar ) é o mal-estar que nos invade quando forças do ambiente
em que vivemos e que são a própria consistência de nossa subjetividade,
formam novas combinações, promovendo diferenças de estado sensível em
relação aos estados que conhecíamos e nos quais nos situávamos. Neste
momentos é como se estivéssemos fora de foco e reconquistar um foco, exige de
nós o esforço de constituir uma nova figura. É aqui que entra o trabalho do
pensamento: com ele fazemos a travessia destes estados sensíveis que embora
reais são invisíveis e indizíveis, para o visível e o dizível. O
pensamento, neste sentido, está a serviço da vida em sua potência criadora. (Entrevista
a Lira Neto e Silvio Gadelha, publicada com este título in O Povo, Caderno
Sábado: 06. Fortaleza, 18/11/95; com o título “A inteligência vem sempre
depois” in Zero Hora, Caderno de Cultura. Porto Alegre, 09/12/95; p.8; e com o
título “O filósofo inclassificável” in A Tarde, Caderno Cultural: 02-03.
Salvador, 09/12/95.)
A cena do chá, como a chamamos intimamente, foi um destes momentos em
que fui desfocado pela ação dançada da bailarina, e na busca por reencontrar
meu foco, fui forçado a pensar, pensar diferente. Sob uma nova perspectiva,
pois as que eu tinha até então não me serviam para acompanhar o que eu via.
Esta cena se transformou
bastante desde sua primeira criação, e junto a ela fui me transformando também,
recriando a matéria diretor moldada no universo teatral, para uma outra espécie
de corpo diretor. Forçado a pensar.
Desfocado. Presente. Atuante. Recriado.
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